sábado, 7 de junho de 2008

HOMENS E PEIXES

No tempo de Noé sucedeu o dilúvio que cobriu e alagou o mundo, e de todos os animais, quais livraram melhor? Dos leões escaparam dois, leão e leoa, e assim dos outros animais da terra; das águias escaparam duas, fêmea e macho, e assim das outras aves. E dos peixes? Todos escaparam: antes não só escaparam todos , mas ficaram muito mais largos que dantes, porque a terra e o mar tudo era mar. Pois se morreram naquele universal castigo todos os animais da terra e todas as aves, por que não morreram também os peixes? Sabeis porquê? Diz Santo Ambrósio: porque os outros animais, como mais domésticos ou mais vizinhos, tinham mais comunicação com os homens; os peixes viviam longe e retirados deles. Facilmente pudera Deus fazer que as águas fossem venenosas e matassem todos os peixes, assim como afogaram todos os outros animais. Bem o experimentais na força daquelas ervas com que, infeccionados os poços e lagos, a mesma água vos mata; mas como o dilúvio era um castigo universal que Deus dava aos homens por seus pecados, e ao mundo pelos pecados dos homens, foi altíssima providência da divina justiça que nele houvesse esta diversidade ou distinção, para que o mesmo mundo visse que da companhia dos homens lhe viera todo o mal: e por isso, os animais que viviam mais perto deles foram também castigados, e os que andavam longe ficaram livres. Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.

Padre António Vieira, Sermão de Santo António


2 comentários:

Anónimo disse...

A MÁCULA DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA


"Imperador da língua portuguesa",
Camões em prosa sem nenhum favor,
não posso perdoar-te a ligeireza
de hveres sido um dia delator.

Abrindo-se contigo em confidência
a freira Inés Juana de la Cruz,
das letras mexicanas eminência,
acerca das "finezas" de Jesus,

à Santa Inquisição a delataste
por em correspondência, que entregaste,
Sóror Juana em "erros" incorrer.

Por ti denunciada, o seu castigo,
por em má hora se expandir contigo,
foi nunca mais poder... voltar a ler!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

Meu Estimado Professor João de Castro Nunes:
É sempre com prazer que acompanhamos a sua "leitura", tão rica e tão culta, das nossas selecções literárias. Ficamos assim duplamente enriquecidos: pelos textos e versos dos autores que escolhemos (grandes e menos grandes) e pelas suas produções,invariavelmente belas,cheias de novidade e de elegância. Obrigado, uma vez mais !

Amadeu Carvalho Homem