Assim, é sobretudo de noite que a cidade se me revela. Nas ruas ermas, os candeeiros meditam sobre velhos espectros, velam o rasto do mundo desaparecido, essa ausência que se sente em tudo o que foi tocado pelo homem e lhe retém o calor da vida. Mas porque esta cidade não confraterniza connosco, porque a habitamos como quem passa, como provisoriamente se habita uma estalagem, porque somos nela intrusos, eu reconheço-lhe a verdadeira face não à luz da evidência diurna, mas a uma obscura luz de eternidade.
VERGÍLIO FERREIRA (1916-1996), Carta ao Futuro
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NOITES CITADINAS COM
VERGÍLIO FERREIRA
À noite, as nossas vilas e cidades
são taciturnas como um cemitério,
envolvendo-as a todas um mistério
que lhes advém do fundo das idades.
É mais ou menos isto que pretende
dizer na sua prosa depurada
o autor beirão da aldeia que arruinada
aos pés da serra hermínica se estende.
Tudo à noite nos fala de um passado
que no tempo parou, mas de algum modo
dentro de nós perdura humanizado.
Ah! quem pudesse desvendar de todo
a alma das terras quando as sombras descem
e à luz dos candeeiros se conhecem!
João de Castro Nunes
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