quarta-feira, 6 de maio de 2009

PODERES DE BESTA CANSADA

Nisto, um grito vindo do quarto contíguo assustou-o de tal maneira que bateu com os dentes no copo. «O inspector chama-o», ouviu-se dizer. O que o assustou foi apenas o grito, este grito seco e cortante, como se fosse uma ordem militar que ele nunca seria capaz de atribuir a Franz. A ordem em si foi ao encontro do seu desejo: «Finalmente», respondeu, fechou o armário e dirigiu-se rapidamente para o quarto ao lado. Ali, encontrou os dois guardas que, com toda a naturalidade, correram com ele de novo para o quarto. «Que ideia é essa?», exclamaram eles, «quereis apresentar-vos em camisa perante o inspector? Ele mandava dar-vos uma sova e nós levávamos pela mesma tabela!» . «Deixem-me, com mil diabos», exclamou K., que recuara já até ao guarda-fatos, «se me assaltam na minha própria cama, não podem esperar que esteja vestido de fato de cerimónia.». «Não adianta nada», disseram os guardas, que, sempre que K gritava, se tornavam calmos ou mesmo tristes, confundindo-o ou, de certo modo, chamando-o à razão. […] 

FRANZ KAFKA (1883-1924), O Processo

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