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Começou o Estrela por abrir a porta da barbearia. Era barbeiro, o Estrela. Acabavam justamente de bater as onze. Nunca saía do quarto antes. E o Amadeu, o alfaiate, que com a rosa dos alfinetes ao peito, a fita métrica ao pescoço, e uma letra vencida no bolso mourejava desde manhã cedo, não podia engolir serenamente semelhante ultraje.
“Há sujeitos com muita sorte! …” , resmungava da sua loja, ao fundo da praça. Mas calava-se diante do olhar irónico dos empregados. Pegava no giz, e num traço mais carregado que fazia no pano punha o resto dos pensamentos. O Estrela, esse vestia a bata e chegava-se à porta. “Então Deus nos dê muito bons dias!” Cumprimentava ao mesmo tempo o mundo e o seu grande amigalhaço, o Gil, latoeiro e vizinho.
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Miguel Torga, O Estrela e a Mulher
Começou o Estrela por abrir a porta da barbearia. Era barbeiro, o Estrela. Acabavam justamente de bater as onze. Nunca saía do quarto antes. E o Amadeu, o alfaiate, que com a rosa dos alfinetes ao peito, a fita métrica ao pescoço, e uma letra vencida no bolso mourejava desde manhã cedo, não podia engolir serenamente semelhante ultraje.
“Há sujeitos com muita sorte! …” , resmungava da sua loja, ao fundo da praça. Mas calava-se diante do olhar irónico dos empregados. Pegava no giz, e num traço mais carregado que fazia no pano punha o resto dos pensamentos. O Estrela, esse vestia a bata e chegava-se à porta. “Então Deus nos dê muito bons dias!” Cumprimentava ao mesmo tempo o mundo e o seu grande amigalhaço, o Gil, latoeiro e vizinho.
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Miguel Torga, O Estrela e a Mulher
3 comentários:
MAIS AR!
Sem a tua presença corporal
Coimbra, Miguel Torga, esmoreceu:
eras o seu Camões, o seu Orfeu,
no que respeita à época actual.
Faz falta o teu perfil esgrouviado
à porta dos cafés e livrarias
alheio por feitio a cortesias
ainda que de um alto magistrado.
Estavas fora manifestamente
do trivial bulício citadino
da Baixa, indiferente a toda a gente.
Coimbra estava a leste do teu génio
que tinha precisão, como imagino,
de uma maior riqueza de oxigénio!
João de Castro Nunes
POR ALGO FOI
Poeta! conheci-te muito bem:
tirando o consultório, onde ganhavas
o escasso pão de que necessitavas,
na rua não ligavas a ninguém.
Passavas pela gente como cão
por vinha vindimada, no dizer
da gíria popular, sem te ofender
com esta trivial comparação.
Eras o Prometeu que revelou
o fogo ao homem, pobre criatura
que nunca reputaste à tua altura.
Por isso Montezuma recusou
prestar-te apoio na candidatura
ao prémio que a Suécia te negou!
João de Castro Nunes
PROF. AMADEU CARVALHO HOMEM
Insigne Professor, muito me apraz
manifestar-lhe o meu sincero apreço
pelos seus ideais, que eu aliás
só literariamente é que conheço.
Admiro em si, de um modo especial,
perante os outros indistintamente
a sua rara compreensão mental
para as questões que afectam toda a gente.
A sua original sabedoria
é a pura imagem da Universidade
que Torga de haver tido gostaria.
Caso não fosse o óbice da idade,
garanto-lhe que a ela eu voltaria
para me encher da sua Humanidade!
João de Castro Nunes
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