sexta-feira, 18 de julho de 2008

ANTERO SEGUNDO EÇA



[…]

Foi para S. Miguel, para o seu mundo mais doce, mais fácil … Depois uma tarde, como aquele filósofo Démonax, de quem conta Luciano, «concluindo que a vida lhe não convinha, saiu dela voluntariamente, e por isso muito deixou que pensar e murmurar aos homens de toda a Grécia». O que dele pensam os homens da nossa Grécia, não o sei – pois que de há muito na nossa Grécia uma apagada tristeza traz os homens desatentos e mudos. É morta, é morta a abelha que fazia o mel e a cera! Quem se nutre ainda do gostoso mel? Quem se alumia com a pura cera? Por mim penso, e com gratidão, que em Antero de Quental, me foi dado conhecer, neste mundo de pecado e de escuridade, alguém, filho querido de Deus, que muito padeceu porque muito pensou, que muito amou porque muito compreendeu, e que, simples entre os simples, pondo a sua vasta alma em curtos versos – era um Génio e era um Santo.

EÇA DE QUEIRÓS, "Um Génio que era um Santo", In Memoriam de Antero de Quental

3 comentários:

Anónimo disse...

"UM GÉNIO QUE ERA UM SANTO"

Assim também o vejo, recitando
seus versos nas escadas da Sé Velha
nesta doce Coimbra em que se espelha
seu génio que se foi santificando.

Antero, meu Antero de rapaz
pela tua Bondade apaixonado
e pelos teus sonetos embalado,
mas que imitar eu nunca fui capaz!

Eu era mais virado a António Nobre,
cujos poemas feitos à "Purinha"
aos pés me conduziram da "Rucinha".

Por mais que em favor dele me desdobre,
foi o teu santo e singular semblante
que fez o meu delírio de estudante!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

A MOLA QUE SE PARTE
(Ode anteriana)

Sair da vida voluntariamente
à luz de certas gregas teorias
apelidadas de filosofias
era acto de coragem consciente.

Fizeram-no diversas personagens
que suscitaram grande admiração
buscando a morte pela própria mão
sob a razão das suas linguagens.

Era um direito a poucos reservado
quando estivesse em causa o pundonor
do cidadão sem sombra de pecado.

Não foi de Antero o caso, há que supor,
pois o seu suicídio acidental
foi pura reacção sentimental!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

"É MORTA A ABELHA QUE FAZIA O MEL"
(Ode queirosiana)

Meu Eça, cuja prosa tem o gosto
do mel acabadinho de tirar
do favo das colmeias e do mosto
dos vinhas do mais fino paladar;

nesta pelintra Grécia ocidental,
como com ironia literária
gostavas de chamar a Portugal,
quase só há população primária.

Morreu a abelha que fazia o mel
e a cera dos seus favos rescendente
com que se alumiava a nossa gente.

Temos na boca agora o travo a fel
de uma literatura de cordel
em vez da tua prosa... irreverente!

João de Castro Nunes