segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O REI IMAGINÁRIO

Andei incógnito pela Avenida Nevski. Passou sua majestade o imperador. Toda a cidade tirou os chapéus, e eu também, para não dar a perceber que sou o rei de Espanha. Achei indecente revelar a minha condição na presença de todos; é que, em primeiro lugar, é necessário apresentar-me na corte. O único obstáculo é não ter arranjado até ao momento um trajo de rei. Precisava ao menos de um manto. Já quis encomendá-lo ao alfaiate, mas esses são burros de todo, além de que descuram o seu ofício e metem-se em negócios escuros e, principalmente, dedicam-se ao trabalho de calceteiros. Resolvi fazer um manto do meu uniforme novo de funcionário, que vesti apenas duas vezes. Mas, para que esses canalhas não estragassem tudo, resolvi costurá-lo sozinho, à porta fechada para ninguém ver. Cortei-o eu à tesoura, porque o corte tem de ser absolutamente diferente.

 NIKOLAI GOGOL (1809-1852), Diário de Um Louco 

1 comentário:

Anónimo disse...

LOUCURA SIMBOLISTA


De Nicolau Gogol temos um pouco,
cada um de nós, à nossa dimensão:
não há ninguém, suponho, que de louco
não tenha ou não possua uma porção.

Todos, a bem dizer, sem excepção,
- que Deus desta loucura nos proteja -
se julgam reis de uma qualquer nação
por ínfima ou minúscula que seja.

Talham-se em pensamento régias fardas
com fitas de grã-cruz a tiracol,
mesmo vivendo em lúgubres mansardas.

Todos temos uns laivos de Gogol
a começar por mim que, por sinal,
me julgo às vezes... rei de Portugal!

João de Castro Nunes