Eu escondo-me de toda a gente, quando me sinto poeta, que o mesmo é dizer sensível. Em coisas materiais é que me exponho francamente, para que toda a gente me tenha em conta do comum barro. Furto-me quanto posso a distinções odiosas, e às ridículas ainda mais. Ser tolo é má coisa; ser mau é coisa pior; mas quem puder livrar-se de ser ao mesmo tempo mau e tolo, seja antes mau. Os tiros do ódio podem ferir; mas assanham os brios, e dão azo à vitória; porém os tiros do escárnio matam sempre.
CAMILO CASTELO BRANCO, Bom Jesus do Monte
4 comentários:
CAMILO VISTO POR AQUILINO
(Romântica miséria)
Ninguém como Aquilino em seus escritos
refez o drama ingente de Camilo
sem pretender de modo algum feri-lo,
mas derrubando muitos dos seus mitos.
À sua verdadeira dimensão
o reduziu sem dó nem piedade
buscando por a nu toda a verdade,
porquanto as coisas são conforme são.
Aos olhos de um Beirão como Aquilino,
pragmático, bravio quanto baste,
Camilo não passava de um cretino.
Afundou-se em miséria crassamente,
posto de parte pela sua gente
como quem deita à rua um velho traste!
João de Castro Nunes
Errata - No poema anterior, "por" é gralha por "pôr". Evidentemente.
JCN
SUPREMO ESCÁRNIO
Quando tu dizes que a pedrada fere
mas nos desperta para a reacção
dando lugar à luta, que confere
ao vencedor a palma, tens razão.
Mas menos a não tens, quando referes
que é bem pior o escárnio sem defesa
de espécie alguma para rebateres
quem te reduz na tua natureza.
Chamarem-te "poeta" talvez fosse
uma maneira atroz e agridoce
de alguém querer ferir tua hombridade.
Mas, a meu ver, o ângulo por onde
mais fundo te atingira, na verdade,
Camilo, foi fazerem-te "visconde"!
João de Castro Nunes
Errata - No penúltimo verso, "atingira" é gralha por "atingiram".
JCN
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