Não amava eu Heraclito ternamente, não fiquei emocionado por uma grande alegria quando li pela primeira vez que as coisas não eram, mas eternamente se tornavam? Fiquei. Porém apreciei com igual profundidade e sinceridade a refutação disto no Teeteto de Platão. Adorei, deliciei-me com provas, argumentos que eram contra a razão humana, que mostravam a sua fraqueza e a sua impotência perante a verdade. Por que desejava eu isto? Era para exaltar um Deus? Era para fazer o homem sentir-se indigno? Era para o fazer desejar outra e melhor vida? Não, não era por isso. Por que razão era então? Não vivia no tempo dos sofistas tardios nem tinha o espírito de Protágoras.
FERNANDO PESSOA (1888-1935), Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal
1 comentário:
"POR QUE RAZÃO ERA ENTÃO?"
Que grande profusão de teorias
na tua mente vai, caro Pessoa:
deixa-te lá de vãs filosofias
por muito que te custe ou que te doa!
Ninguém melhor que tu para fundir
coisas que em si carecem de sentido,
morrendo, a bem dizer, por exprimir
conceitos sem critério definido.
Tu tantas voltas dás aos pensamentos
que acabas por torná-los nevoentos,
sem te ender nenhuma criatura.
Talvez sob o efeito da aguardente,
tudo afinal se venha, em tua mente,
a traduzir em genial... mistura!
JOÃO DE CASTRO NUNES
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