quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O CENTENÁRIO REPUBLICANO EM COIMBRA


As próximas celebrações ou comemorações do Centenário da República devem comportar o significado de um júbilo mas também de uma contrição. O júbilo irá dever-se ao ciclo temporal em que celebraremos, em comum, o regime que retirou os portugueses da condição de súbditos de uma realeza ultrapassada (segundo o nosso modesto entendimento) e lhes proporcionou a dignidade da cidadania. Que não se espere dos republicanos o menor excesso de gratuita provocação. Não a esperem os monárquicos, nem a Igreja Católica, nem os defensores do Estado Novo (ainda os há!) – estes últimos a situarem-se numa zona ambígua, de vocação católico-monárquica, que Salazar lhes impediu de levar às últimas consequências, quando lhes obstou a viragem explícita para o regime que tão nostalgicamente foi desejado pelos Integralistas Lusitanos, muitos deles emigrados com armas e bagagens para o chapéu de chuva do novo Senhor de Santa Comba. E que não se diga que estas palavras são, já de si, uma provocação. É que isso arrastaria a terrível limitação de não se poder fazer interpretação histórica. É isso – e só isso – que tento aqui esboçar: a compreensão de realidades temporais e epocais pretéritas. A República em Portugal é hoje uma realidade pujante e indesmentível. A ideia abstracta de meritocracia substituiu a ideia concreta de dinastia. E à esmagadora maioria pareceu preferível que as magistraturas políticas e sociais fossem temporárias e amovíveis, em vez de serem vitalícias e hereditárias. As Monarquias de “direito divino” cederam o passo às Repúblicas por “direito natural”. E quando os filósofos iluministas proclamaram o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, ficou desde logo banida a directriz do direito privilegiado e da excepção aristocrática. Uma tal efeméride só pode ser jubilosa para a colectividade que se revê na bandeira verde-rubra. E Coimbra, através das suas instituições mais representativas, irá saudar a República, vivendo-a em festa e em íntima e fraterna alegria. Para isto, os republicanos contam com a secular Universidade do Mondego, com a Autarquia, com os representantes das freguesias, com as agremiações culturais, desportivas e recreativas, com as escolas de ensino secundário e seus devotados professores. Sabemos que o “Teatrão” já iniciou um vasto programa baseado nos valores republicanos e que este esforço, teórico e cénico, irá continuar e aprofundar-se. Estamos informados de que a “Escola da Noite” vai pôr em cena a peça “Sabina Freire”, desse requintado e subtilíssimo prosador que foi Manuel Teixeira Gomes, um dos nossos Presidentes da República, cujas funções decorreram entre 1923 e 1925. É também do nosso conhecimento que a Orquestra Clássica do Centro, cujos relevantes méritos são por demais conhecidos, – mas não por demais sublinhados – irá organizar um excepcional espectáculo de homenagem à República Portuguesa. É toda uma cidade, toda uma região, que se mobiliza e revê nos valores que nos foram legados por José Falcão, António Augusto Gonçalves, António José de Almeida, Afonso Costa, Teófilo Braga, José Relvas, João Chagas e tantos, tantos mais. Mas esta República terá também de viver a festa em clima de alguma contrição, como inicialmente dissemos. Muitos dos servidores desta República não têm sabido honrá-la com o devotamento desinteressado e com a impecável postura ética que lhes seria exigível. São demais os casos de crápula, de mão-baixa sobre o Erário Público, de compadrio, de tráfico de influências, de negociata abjecta, de favorecimento ilícito, de locupletamento criminoso. Pede-se a essa gente que se deixe ficar por casa e que não venha celebrar, pois nada tem a festejar. É que o estômago dessa gente fala mais alto do que o patriotismo desembaraçado e do que o espírito de serviço que definiram, desde a primeira hora, a honra e o modo de ser do republicanismo português. A festa do Centenário da República deverá ser também um protesto e uma advertência da Cidadania impoluta contra a escória que na “Res Publica” se imiscuiu. O programa local do Centenário republicano passa por aqui: celebrar e advertir. Sem papas na língua e sem curvatura de espinhela, seja perante quem for. E tudo isto, para quê? Para que a República possa celebrar o seu milenário, em 2910.

AMADEU CARVALHO HOMEM

Presidente da Direcção da ALTERNATIVA

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