Temos um País (somos um país) que rompeu Oceanos e desbravou Terras e que, em muitas destas, deixou as suas gentes e as suas marcas físicas, genéticas e culturais. Somos, afinal, um País que, conforme registou o Poeta, “deu novos mundos ao mundo”, Paradoxalmente, porém, somos também um País que perseguiu e expulsou de cá os mercadores mouros e judeus, os quais constituíam, na altura, os pilares que sustentavam grande parte do nosso edifício cultural, científico e económico. Perseguição e expulsões que se concretizaram entre 1496 e 1630 e que, com a chegada do ouro do Brasil em fins do século XVII, princípios do século XVIII (“Casa dos Quintos”), foram, segundo penso, os factores principais, responsáveis, pela criação de uma mentalidade de alheamento conformista no Povo e de inépcia nos agentes económicos e culturais do País.
Temos um País (somos um País) que, depois de ter projectado no mundo cultural nomes como Gil Vicente, Luís de Camões, António Ferreira, Eça, Pessoa, Saramago e tantos outros de igual valor, se entretém, agora, satisfeito e até entusiasmado, com a “literatura” de aviário que vai alimentando a iliteracia funcional que campeia na nossa sociedade. E esta, claro, acolhe com frenesi os “big brothers” e seus sucessivos clones, os “morangos com açúcar”, “as belas e o mestre”, e outras diarreias televisivas e demências sem abrigo...
Temos um País (somos um País) onde se permite que o presidente de um governo Regional insulte, com enervante frequência e há mais de 30 anos, o Governo central, o Conselho de Estado, a Assembleia da República, a Imprensa, a Televisão e os portugueses em geral.
Temos um País (somos um País) onde um jogo de futebol (supostamente, uma prática desportiva) é classificado oficialmente de “alto risco” e mobiliza mais de seis centenas de polícias que, entre outras tarefas, enquadram e acompanham processionalmente os adeptos até às entradas do estádio. Adeptos que são revistados e que uma vez instalados nas bancadas, atiram petardos e cadeiras contra os adversários, ferindo alguns e estabelecendo o pânico!
Temos um País (somos um País) onde os Jornais, as Televisões, as Rádios, os comentadores políticos e os dirigentes partidários frequentemente gastam boa parte do seu tempo e dos seus recursos em querelas espúrias, sobrepondo-as aos problemas graves que afectam a população portuguesa e exigem um esforço concentrado para a sua resolução!
É o País que temos, o País que somos. O País onde, em consultas referendárias sobre assuntos da maior importância relativos à nossa vida colectiva (Regionalização e IVG), o nível de interesse participativo (indicador do nível cultural) dos portugueses se manifesta numa abstenção superior a 50%! É um País com evidentes (e preocupantes) sintomas de esclerose cultural...
Repito o que escrevi numa crónica publicada em 04/11/1998:“Custa muito ser português! Não por causa dos espanhóis, dos ingleses ou dos alemães, mas por causa dos portugueses. Dos que sabem ou têm obrigação de saber e dos que não sabem ou não têm as condições mínimas para querer saber…”.
JÚLIO CORREIA - Amigo da ALTERNATIVA
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