sábado, 2 de janeiro de 2010

AS LINHAS FRACTURANTES DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1ª Parte)

Não chegou a dezasseis o número de anos de vigência da 1.ª República, contudo, quer-me parecer que foram de uma extraordinária riqueza do ponto de vista dos objectivos de ruptura com o passado, procurando levar para a modernidade um Portugal, então, ancilosado.

O século XIX, com o tremendo salto tecnológico que o caracterizou, por um lado, e, por outro, com o extraordinário desenvolvimento das correntes comerciais, veio colocar a nu as carências estruturais portuguesas.

Território sem carvão nem ferro de qualidade, não pôde industrializar-se ao ritmo dos Estados europeus. Rapidamente a fraca marinha, que ainda subsistia dos tempos da navegação à vela, foi relegada para um plano inferior ao comum das suas concorrentes estrangeiras. A definição de fronteiras nos territórios de África, exigindo a ocupação efectiva, depois de 1885, evidenciou a fraqueza de um Exército que pouco mais servia do que para a repressão interna e para dar lustro às procissões religiosas e outras festas públicas. Na metrópole, com uma agricultura que não chegava para a subsistência interna, a mobilidade social era quase inexistente, traduzindo-se por um elevadíssimo índice de analfabetismo. Por cima de todo este quadro pairava, com poderes quase absolutos, a religião católica apostólica e romana empenhada em, mantendo privilégios, manter a crendice como entorpecente das mentes e das consciências. Esse hipnótico poder só nas grandes cidades — Lisboa, Porto e Coimbra — tinha alguns raros oásis onde o livre pensamento deixava a claro a paupérrima e depauperada situação nacional. Foi nessas urbes — e noutras em menor escala — que o republicanismo, como força de ruptura, se implantou e iniciou toda a acção de propaganda, levando-o à posição de partido com assento parlamentar.

A questão republicana como força de alteração do regime colocou-se de duas formas simples: ou se conseguia a mudança pela via eleitoral ou por meio revolucionário violento. A segunda corrente impôs-se já depois do regicídio e foi pela adopção do princípio revolucionário que marcharam para França e Inglaterra Sebastião de Magalhães Lima, advogado, jornalista e grão-mestre da Maçonaria e José Relvas, abastado agricultor da região de Alpiarça. A missão era simples: em França — primeira República da Europa — conquistar a simpatia do Governo e da população esclarecida para a necessidade de alteração de regime em Portugal; em Inglaterra, conseguir, pelo menos, a neutralidade do Governo britânico face à revolução republicana. Claro que tanto em Paris como em Londres tiveram de ser dadas garantias quanto às intenções de quem se propunha derrubar a Monarquia. Essa terá sido uma das razões da escolha daquelas duas personalidades como embaixadores do Partido Republicano Português (PRP): enquanto um simbolizava a liberdade de pensamento e a ordem constitucional maçónica o outro figurava a tradição agrícola de um país meridional. Nada fazia supor radicalismos excessivos que fossem para além da mudança do regime e de um ou outro pilar de sustentação do Estado. A surpresa registou-se com a tomada de posse do Governo Provisório da República.

LUÍS ALVES DE FRAGA

Amigo da ALTERNATIVA

Sem comentários: