[…]
Começou o Estrela por abrir a porta da barbearia. Era barbeiro, o Estrela. Acabavam justamente de bater as onze. Nunca saía do quarto antes. E o Amadeu, o alfaiate, que com a rosa dos alfinetes ao peito, a fita métrica ao pescoço, e uma letra vencida no bolso mourejava desde manhã cedo, não podia engolir serenamente semelhante ultraje.
“Há sujeitos com muita sorte! …” , resmungava da sua loja, ao fundo da praça. Mas calava-se diante do olhar irónico dos empregados. Pegava no giz, e num traço mais carregado que fazia no pano punha o resto dos pensamentos. O Estrela, esse vestia a bata e chegava-se à porta. “Então Deus nos dê muito bons dias!” Cumprimentava ao mesmo tempo o mundo e o seu grande amigalhaço, o Gil, latoeiro e vizinho.
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Miguel Torga, O Estrela e a Mulher
Começou o Estrela por abrir a porta da barbearia. Era barbeiro, o Estrela. Acabavam justamente de bater as onze. Nunca saía do quarto antes. E o Amadeu, o alfaiate, que com a rosa dos alfinetes ao peito, a fita métrica ao pescoço, e uma letra vencida no bolso mourejava desde manhã cedo, não podia engolir serenamente semelhante ultraje.
“Há sujeitos com muita sorte! …” , resmungava da sua loja, ao fundo da praça. Mas calava-se diante do olhar irónico dos empregados. Pegava no giz, e num traço mais carregado que fazia no pano punha o resto dos pensamentos. O Estrela, esse vestia a bata e chegava-se à porta. “Então Deus nos dê muito bons dias!” Cumprimentava ao mesmo tempo o mundo e o seu grande amigalhaço, o Gil, latoeiro e vizinho.
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Miguel Torga, O Estrela e a Mulher