A primeira obrigação do escritor é ser filósofo; é escrever filosoficamente; é ver dois palmos adiante do nariz; olhar para o futuro e não se contentar com o presente; levar a candeia adiante, que a candeia que vai adiante é que alumia, e em vez de estudar e defender o que é, buscar e ensinar o que há-de ser. Assim, pois, a filosofia nunca é demais; o que pode, é ser de menos, e quem não escreve filosoficamente , não escreve – escrevinha!
terça-feira, 28 de outubro de 2008
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
EFEITOS DO AMOR
Nascemos para amar; a humanidade
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade:
Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n’alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade:
Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas:
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
MANUEL BARBOSA DU BOCAGE (1765-1805)
domingo, 19 de outubro de 2008
POR UM ENSINO PATRIÓTICO
[…] Estuda-se, entre nós, como se não houvesse uma Pátria: como se cada objecto do nosso estudo não fosse um ser integrante dessa Pátria: quando nada da nossa terra nos devia ser indiferente: quando nem uma pedra dela é uma pedra qualquer; mas tem um cunho nacional, local, familiar: é a pedra doméstica do nosso lar; é a pedra do baptistério, do moinho e da fonte da nossa povoação natal, e é a pedra lascada que recorda as nossas origens ou a pedra dos monumentos, emblema da nossa glória, que celebra os feitos dos nossos antepassados. Cada objecto tem uma história, que o educando precisa de conhecer e de amar. Uma história e um destino! Será impossível ir arrancar assim a instrução aos flancos palpitantes da Pátria? […]
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
SOBRE A ALEGRIA
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. É isto o que mais importa – essa alegria.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes,
mais esguios …
Perigosos são os grandes homens dos quais não podemos rir.
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
ACENDALHAS
Era como fechar o dia com as acendalhas, junto ao coração quase deserto. As mais simples palavras entravam em desgoverno, a sombra das tuas mãos cobria quase metade da terra. A meio da sala alguns pratos, incenso, a luz azul do computador, o sentimento ainda selado por atilhos, cordames, a música repetia-se cadenciada no cenário desastrado. E o sol, que desaparecera, e vénus, que brilhava, ardiam um no outro como troféus do coração.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
GOSTAM ELES DE POESIA ?
No fundo, as pessoas que gostam de poesia gostam, na melhor das hipóteses, de alguns versos, que repetem a torto, direito e despropósito. São como o autodidacta do poema epónimo de Alexandre O’Neill
(o qual“já ia na terceira
fasciculada história da pintura”)
que
“Se acaso em piquenique desdobrava
toalha em relva,
logo o Déjeuner
sur l’herbe lhe acudia à retentiva”.
MIGUEL TÁMEN , Artigos Portugueses (1960)
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
IDEAL
Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas
Da antiga Vénus de cintura estreita…
Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita…
A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino…
É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu da solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo…
Antero de Quental