domingo, 28 de setembro de 2008

CARIDADE AUTÊNTICA

[…]
Uma mulher com quatro filhos que choram de fome, que distribui, apesar disso, metade do seu tempo, do seu carinho e do seu pão com uma vizinha desgraçada, não gosta da diferença que se faz da sua classe, que é dirigida pelo sentimento natural de beneficência, quando vê uma outra abastada, honrada, elogiada, correndo de carruagem, pregoando a caridade. Eu não participo desses preconceitos e reparos que se fazem, porque a caridade se exerce de carruagem; mas é preciso que quem assim a exerce se lembre, não do grande salto que deu para descer da carruagem, e entrar na casa do pobre, mas do salto que deu para subir a ela, porque a sua posição lhe trouxe o dever de socorrer os desvalidos.
[…]

JOSÉ ESTÊVÃO, Primeiro Discurso sobre a Questão das Irmãs da Caridade (sessão parlamentar de 9 de Julho de 1861)

4 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Teria o grande tribuno razão no seu tempo, porque era, ainda, desconhecido o poder do Estado como interventor nos equilíbrios do mercado e das crises por ele ciclicamente geradas. Teria razão em lembrar a grandeza de dar sem soberba nem exibição. Mas hoje os tempos são outros. O Estado já teve em Portugal papel de senhor absoluto dos destinos do mercado como resultado das nacionalizações subsequentes ao 11 de Março de 1975 e está ainda e estranhamente a recuar, deixando à iniciativa privada a liberdade de quase em tudo superintender. Claro que caridade, ou beneficência, sempre a houve e para ser com dignidade exercida carece de a mão esquerda não saber o que a direita faz. Assim manda a elementar educação fundamentada nos ensinamentos da Igreja de Roma. Todavia, a caridade, beneficência ou filantropia não podem ser soluções para os rasgões económicos que o liberalismo abre nos tecidos sociais mais fragilizados. Não. Estamos num tempo e numa fase do conhecimento que deve exigir do Estado o papel de protector ao invés de mero zelador da ordem mercantil. É o Estado quem se tem de sentir honrado em subir à casa do pobre para lhe pôr a mesa e servi-lo, porque rico é o Estado com os nossos impostos e mendigos todos os que já nem para o sustento desse tremendo aparelho são taxados.

Anónimo disse...

SUBTILEZAS DA OPULÊNCIA

A dama que baixou da carruagem
afim de dar ao pobre a sua esmola
deitando-lhe uns dinheiros na sacola
deu de si própria uma bonita imagem.

Para o fazer mostrou certa coragem
dado ostentar uma vistosa estola
de grande preço, além de fina gola
a realçar o corte da roupagem.

Quem perante a miséria e a pobreza
não sofre de uma espécie de baixeza
pela parte de culpa... que se tem?

Quando subiu de novo para o trem,
quem sabe, no que à dama diz respeito,
que estado de alma lhe invadia o peito!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

O PRAZER DE DAR

Mesmo que o Estado assuma a obrigação
de prestar assistência social
a todo o indigente cidadão,
seja qual for a causa do seu mal,

isso não tira necessariamente
a que haja outros processos de assistência,
até por vezes mais eficiente
como o dos órgãos de beneficência.

De todas as maneiras a mais nobre
sem dúvida é, porém, para o meu gosto,
a que na rua a mão estende ao pobre.

Conforme se notava no seu rosto,
o facto de ela ser tão esmoler
sempre feliz tornou... minha mulher!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

O PRAZER DE DAR

Mesmo que o Estado assuma a obrigação
de prestar assistência social
a todo o indigente cidadão,
seja qual for a causa do seu mal,

isso não tira necessariamente
a que haja outros processos de assistência,
até por vezes mais eficiente
como o dos órgãos de beneficência.

De todas as maneiras a mais nobre
sem dúvida é, porém, para o meu gosto,
a que na rua a mão estende ao pobre.

Conforme se notava no seu rosto,
o facto de ela ser tão esmoler
sempre feliz tornou... minha mulher!

João de Castro Nunes