quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

AS LINHAS FRACTURANTES DA 1ª REPÚBLICA (2ª Parte)


Foi Afonso Costa — o mais radical dos três grandes líderes do PRP (António José de Almeida e Brito Camacho na ordem decrescente do radicalismo) — quem, como ministro da Justiça, desferiu o primeiro golpe fracturante na jovem República quando fez rapidamente expulsar as ordens religiosas de Portugal, nomeadamente a Companhia de Jesus — retomando legislação do marquês de Pombal — decretou o registo civil — em oposição ao registo religioso — e fez publicar a Lei da Separação das Igrejas do Estado — tornando Portugal num Estado laico. Ele foi o executor de uma política cujo diagnóstico havia sido traçado quarenta anos antes por Antero de Quental.

Indiscutivelmente a Igreja Católica era, naquela época, a força mais retrógrada da sociedade portuguesa a qual, associada à pobreza endémica do território, contribuía para o atraso social do país. Destruir o poder do clero era fundamental para impor a República e, também, para abrir as portas à modernidade europeia. Mas esta medida, se por um lado era imprescindível, por outro, era fracturante: a sociedade portuguesa ia dividir-se, vendo nos republicanos os demónios subidos dos infernos ou, ao contrário, apreciando-os como anjos e motores da liberdade. A República passou a ser, em simultâneo, trevas e luz. E foi-o sempre até à Constituição Política de 1933 e à assinatura da concordata com a Santa Sé, pese embora a aparente acalmia iniciada no consulado de Sidónio Pais, quando este caudilho, mais por actos que por decretos, deu os primeiros sinais de tentativa de apaziguamento da questão religiosa. Mas o importante tinha deixado de ser a laicização do Estado, porque, na brecha aberta por ela no tecido social nacional, se haviam implantado correntes monárquicas, que, com maiores ou menores auréolas teóricas, desejavam não só o regresso à Monarquia, mas, acima de tudo, o retorno à tradição.

Na sequência do golpe militar de 28 de Maio de 1926, o Estado Novo foi a vitória confusa — e propositadamente confundida — da República ultra-conservadora, embora tenha sido muito mais do que isso. Na verdade, foi, até à morte política de Salazar — à semelhança do que acontecia em Espanha — uma vaga promessa de retorno à Monarquia e uma difusa afirmação de republicanismo. A linha fracturante lançada por Afonso Costa, embora não tendo dado os frutos de um rápido caminho para a modernidade, possibilitou que a política nacional se desenvolvesse condicionada pelo problema religioso. A Igreja Católica, durante os quarenta e oito anos de ditadura, tornou-se, paradoxal mas logicamente, numa das linhas estruturantes do Estado Novo. Não tendo florescido em Portugal a doutrina social da Igreja, ela tornou a ser a força da reacção política à modernidade, apadrinhando e abençoando o combate a todas as manifestações que apontassem para uma necessária modernização da sociedade portuguesa. O medo do comunismo determinou a lei do condicionalismo industrial e este, por seu turno, ao mesmo tempo que procurava manter o país vivendo do e para o sector primário da economia, impediu que Portugal, em tempo oportuno tivesse encontrado a sua especialização económica tal como aconteceu com grande parte dos Estados de fracos recursos na Europa. Realmente, a economia fechou-se sobre o Império não conseguindo a autarcia que se desejava.

A sombra da fractura lançada, em 1910, por Afonso Costa, estendeu-se até quase às vésperas do golpe militar de 25 de Abril de 1974. As forças da reacção venceram a indomável vontade daquele político e estadista e atrasaram Portugal muitíssimo mais do que os quarenta e oito anos que vigoraram no Poder.


LUÍS ALVES DE FRAGA

Amigo da ALTERNATIVA

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