Para Search (e, sobretudo para Pessoa e Bernardo Soares) o sonho é a verdade, sendo mentira, ainda que consciente dessa mentira. Pela intensidade com que se sonha e idealiza, o sonho converte-se em verdade e em realidade. Certo da validade deste recurso, o poeta faz da ficção e da ilusão a sua vida, não apenas como fuga de si mesmo, mas como motivo de poesia.
Um templo construí – muro e fachada –
Sem a ideia de espaço projectada,
Com o requinte de um barco engalanado;
As paredes são feitas de meus medos,
Os torreões de choro e pensar fundo –
E esse estranho templo desfraldado […]
É muito mais real que todo o mundo.
Também pelo sonho se processa a sua fuga do nada e do vazio que o levaria à auto-destruição. Nele, o sonho não é mera abstracção, mas uma realidade viva e vivida como meio de sobrevivência.
LUÍSA FREIRE, Fernando Pessoa – Entre Vozes, entre Línguas
Um templo construí – muro e fachada –
Sem a ideia de espaço projectada,
Com o requinte de um barco engalanado;
As paredes são feitas de meus medos,
Os torreões de choro e pensar fundo –
E esse estranho templo desfraldado […]
É muito mais real que todo o mundo.
Também pelo sonho se processa a sua fuga do nada e do vazio que o levaria à auto-destruição. Nele, o sonho não é mera abstracção, mas uma realidade viva e vivida como meio de sobrevivência.
LUÍSA FREIRE, Fernando Pessoa – Entre Vozes, entre Línguas
10 comentários:
SONHAR NÃO CUSTA
De ser poeta,sim, mas de verdade,
poeta do princípio até ao fim,
poeta dos poetas, era assim
que eu quereia ter a faculdade:
poeta desde logo por inteiro
desde a cabeça aos pés sem excepção
de qualquer órgão como o coração,
ainda que o espírito primeiro.
Ser o maior, acima de Camões,
andar na boca das populações,
ser lido nas escolas do país.
Sonhar não custa, como sempre fiz,
difícil é fazer das ilusões
aquilo que à nascença Deus não quis!
João de Castro Nunes
SONHAR EM GRANDE
Sonhar em grande, sempre mais acima,
nunca ficar pelo primeiro andar,
subir até os cumes alcançar
mesmo que a sua altura nos oprima!
Sonhar com a Mulher que nós pusemos
acima das estrelas, tão distante
que tendo-a ao nosso lado ou por diante
é sempre junto a Deus que nós a vemos!
Sonhar mais alto ainda se possível,
sonhar com Deus, apenas atingível
pelos degraus penosos do Amor!
Sonhar assim com a esposa amada
formando um só com Deus lá na morada
que aos eleitos reserva o Criador!
João de Castro Nunes
SONHOS DE IMPÉRIO
Morreu o império que Camões cantou:
com o rodar dos tempos imparável
peça a peça caiu, nada ficou
senão uma memória inapagável.
Não adianta soluçar de pena,
há que aceitar as coisas como são:
baixou o pano, terminou a cena,
vivamos doravante de ilusão.
Pensemos que já fomos os maiores,
que o mundo já foi nosso quase todo
moldado em grande parte ao nosso modo.
Na herdada presunção de grão-senhoes,
sonhemo-nos os donos da Ameríndia,
das sedas e das pérolas da Índia!
João de Castro Nunes
O SONHO É TUDO
Deus fez o Sonho, o Homem fez a Obra:
a Obra por si mesma desabou,
porém o Sonho, que jamais sossobra,
desfeita aquela, ainda perdurou!
O Sonho é tudo, a Obra quase nada!
e como tudo quanto o Homem tece,
a Obra passa, e o Sonho permanece
mesmo depois da Obra fracassada!
O que importa não é chorar de pena,
mas persistir no Sonho até ao fim,
como se o resto não valesse a pena!
Com Dom Sebastião somhando em mim,
venham derrotas, logros e traições
que para mim serão ressurreições!
João de Castro Nunes
SOMHAR A DOIS
O sonho que sonhámos não morreu
mesmo depois que nós nos separámos,
pois a sonhar os dois continuamos,
eu cá na terra e tu aí no céu.
Para sonhar a dois não é preciso
haver qualquer contacto corporal
ou simples frente a frente visual
como será no dia de juízo.
Basta que nossas almas à distância
se atraiam, se procurem mutuamente
e se amem sem a carne estar presente.
Sobre isto não existe discrepância:
a ausência corporal não é razão
para o sonho morrer no coração!
João de Castro Nunes
VELEIDADES
Filho de antiquários afamados, coevos de Barjona e de Junqueiro,
nasci num berço de ouro verdadeiro
de príncipes há muito destronados.
Cresci por entre arcazes brasonados
de casas nobres sem nenhum dinheiro
que tudo iam vendendo ao adeleiro
para pagarem juros atrasados.
Daí meu gosto pelas velharias
que foram a paixão da minha vida
e me inspiraram tantas poesias!
Cercado de relíquias de solar,
eu me sonhava, de alma convencida,
um conde em algum reino... por achar!
João de Castro Nunes
RESSONÂNCIAS SIMBOLISTAS
Rasguei os meus brasões, meus pergaminhos,
vendi a minha casa, o meu solar, deixei-me de armaduras e de arminhos,
passando a ser um cidadão vulgar.
Os pés feri nas pedras dos caminhos
e calejei as mãos a trabalhar,
dei conta de sorrisos escarninhos
por já não ter cartão de titular.
Pura ilusão! agora mais que nunca,
ainda que a viver numa espelunca,
arrasto nos salões mantos de conde.
Em paz com Deus, em paz com toda a gente,
sinto-me rei na pele de regente
não sei concretamente... quando ou onde!
João de Castro Nunes
ILUSÃO
Sonhei-me sempre um cavaleiro andante
por esse mundo fora erguendo a lança
por minha dama, cheio de esperança
de a não desmerecer em cada instãnte.
Sonhar não é pecado: o próprio Deus
nos revelou a sua natureza
servindo-se do sonho, como reza
a tradição sagrada dos judeus.
O sonho é uma segunda dimensão
que todos temos e por cujo meio
a gente se alimenta de ilusão.
Que sonho foi a nossa vida, amor!
só que a sonhar chegámos a supor
que não teria fim... o nosso enleio!
João de Castro Nunes
"QUER VENHA OU NÃO"
O Sonho coeçou a pressentir-se
antes de na Obra um dia se pensar,
devendo por destino esta cumprir-se
para em si mesmo O Sonho se guardar!
Que importa, pois, que os galeões de vez
no salso mar tivessem naufragado
se foi assim que o império se desfez
para outra vez voltar a ser sonhado?!
Se em Alcácer-Quibir morreu outrora
numa tarde de Agosto, abrasadora,
a flor da fidalguia portuguesa,
não foi, acaso, ao malograr-se a empresa
que nasceu para o nosso coração
o verdadeiro Dom Sebastião?!
João de Castro Nunes
INEXPUGNÁVEL
(Quase um plàgio)
Quando me enfada o mundo ou desagrada,
faço como Pesoa, levantando
à minha volta, como paliçada,
um bastião para viver... sonhando.
Isolo-me de todos e de tudo,
cercado por alcárcova ideal,
com torreões servindo-me de escudo
contra os ardis satânicos do mal.
Como não é de pedra construído,
mas tão-somente um forte imaginário,
não poderá jamais ser destruído.
Assim meus sonhos poderei guardar
nesse meu fantasiado santuário
sem que ninguém mos possa macular!
João de Castro Nunes
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